terça-feira, 22 de setembro de 2015

Das metamorfoses do coração e da mente

“Quem não foi de esquerda antes dos 18 anos não tem coração. Quem continua de esquerda depois dos 18, é porque não tem cérebro”. Por anos, eu e muitos de minha geração ouvimos esse ditado, em tom meio de brincadeira, meio sério, dito por gente mais velha com aquela expressão de quem já passou por tudo e que aprendeu com a experiência. E parecia que eles tinham razão. Afinal, as tentativas de governo da esquerda deram errado por todo o planeta (pelo menos era o que eles nos diziam). O chiste ensinava (e eles são extremamente eficiente nessa função, ridendo castigat mores) que a esquerda, apesar de bem intencionada, não passava pelo teste da racionalidade e da experiência. No entanto, apesar de todas as provas racionais, apesar de ter “vencido o grande debate das idéias do século XX”, o capitalismo não conseguia ganhar os jovens. E legiões de garotos continuavam a deixar a barba crescer, meninas vestiam vermelho e juntos clamavam por igualdade, mesmo “sabendo” que era impossível.
Mas é claro que o capitalismo não havia enterrado o feudalismo e o comunismo sendo bobo. A capacidade de adaptação desse sistema – comparável a das ratazanas de esgoto – fizeram com que o “velho” se vestisse de “novo” e um discurso sob medida para os filhos do século XXI surgisse. “Empreendedorismo”, sussurraram os donos da bola, “o melhor jeito de não ser explorado é ser você mesmo o patrão”. Isso fez brilhar os olhos daqueles meninos que tinham um computador, uma biografia do Steve Jobs ou do Bill Gates[1] e um pai dominador (como todo adolescente sempre acha que tem). “Meritocracia”, berraram os que controlam o capital, “trabalhe duro e você chegará lá, sem depender e dever nada a ninguém”. Esse foi o canto da sereia para aqueles jovens individualistas que foram criados para acreditarem que eram gênios a espera de serem descobertos. O capitalismo tinha vencido. Agora ele tinha o coração dos jovens. Só não acredita no capitalismo quem não tem coração, quem não tem um sonho.
Mas o tempo passou e o mundo continuou girando. E vieram os dados. Num sistema que se baseia na competição, nem todos podem vencer. Aliás, nessa corrida, só há um lugar no topo do pódio. Para todos os outros, resta o gosto amargo da derrota. A meritocracia e o empreendedorismo não se mostraram assim tão justos: a competição é desleal e faz com que os empreendedores de sucesso venham em sua maioria dos estratos econômicos mais elevados (sim, existem as exceções, elas estão aí justamente pra manter vivo aquele sonho). Com a vivência, vamos acumulando casos de pessoas que eram talentosas e esforçadas, mas que não “venceram na vida” em detrimento de algum herdeiro de alguma família de ricos há cinco gerações. A experiência nos faz perder a fé na “justiça” do livre mercado. Nas últimas décadas, a desigualdade só aumentou, com os ricos ficando cada vez mais ricos e os pobres ficando cada vez mais pobres, como mostrou – com riqueza de exemplos –  Thomas Piketty. Numa sociedade onde cada vez mais são muito pobres para que cada vez menos sejam muito ricos, não dá pra falar que o capitalismo está dando certo. Qualquer um que tenha um cérebro (e honestidade ao usá-lo) pode constatar isso. É cada vez mais impossível ser racional e ser capitalista.

A esquerda busca soluções para esses problemas que o capital sequer admite que existem. A esquerda ainda acredita num mundo com mais igualdade e solidariedade, enquanto o livre mercado quer nos convencer que a miséria é algo natural, inerente ao homem, inevitável e que o único caminho é o egoísmo.
Eu entendo um jovem que acredita na sedução do capitalismo. A promessa de uma vida melhor que só depende dos seus esforços é realmente encantadora. Eu mesmo já acreditei nela. Mas depois de conhecer um pouco mais da vida, a gente percebe que isso é uma ilusão: a gente sempre vai depender uns dos outros. E esse planeta só vai ser habitável se aprendermos a dividir melhor, a compartilhar. Talvez só não seja capitalista com vinte anos quem não tem coração, mas pra continuar capitalista depois de uma certa idade, só não tendo cérebro. E nem coração.



[1] Repararam que ninguém mais fala do Linus Torvalds?

2 comentários:

  1. Sinceramente não sei se concordo ou discordo do seu texto. Afinal, já tive momentos de Direita e Esquerda na minha vida. Hoje em dia não sei mais que eu sou... No meio das dúvidas, digo que sou "Centrista", pois assim como Buda, vejo no caminho do meio, a moderação a solução. Vamos ver quanto tempo estarei assim.

    http://big-lui.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Só Buda mesmo pra me dar harmonia pra ler um comentário desse e ficar em paz... amém...

      Excluir