“Quem não foi
de esquerda antes dos 18 anos não tem coração. Quem continua de esquerda depois
dos 18, é porque não tem cérebro”. Por anos, eu e muitos de minha geração
ouvimos esse ditado, em tom meio de brincadeira, meio sério, dito por gente
mais velha com aquela expressão de quem já passou por tudo e que aprendeu com a
experiência. E parecia que eles tinham razão. Afinal, as tentativas de governo
da esquerda deram errado por todo o planeta (pelo menos era o que eles nos
diziam). O chiste ensinava (e eles são extremamente eficiente nessa função, ridendo
castigat mores) que a esquerda, apesar de bem intencionada, não passava
pelo teste da racionalidade e da experiência. No entanto, apesar de todas as
provas racionais, apesar de ter “vencido o grande debate das idéias do século
XX”, o capitalismo não conseguia ganhar os jovens. E legiões de garotos
continuavam a deixar a barba crescer, meninas vestiam vermelho e juntos clamavam
por igualdade, mesmo “sabendo” que era impossível.
Mas é claro
que o capitalismo não havia enterrado o feudalismo e o comunismo sendo bobo. A
capacidade de adaptação desse sistema – comparável a das ratazanas de esgoto –
fizeram com que o “velho” se vestisse de “novo” e um discurso sob medida para
os filhos do século XXI surgisse. “Empreendedorismo”, sussurraram os donos da
bola, “o melhor jeito de não ser explorado é ser você mesmo o patrão”. Isso fez
brilhar os olhos daqueles meninos que tinham um computador, uma biografia do
Steve Jobs ou do Bill Gates[1] e
um pai dominador (como todo adolescente sempre acha que tem). “Meritocracia”, berraram
os que controlam o capital, “trabalhe duro e você chegará lá, sem depender e
dever nada a ninguém”. Esse foi o canto da sereia para aqueles jovens
individualistas que foram criados para acreditarem que eram gênios a espera de
serem descobertos. O capitalismo tinha vencido. Agora ele tinha o coração dos
jovens. Só não acredita no capitalismo quem não tem coração, quem não tem um
sonho.
Mas o tempo
passou e o mundo continuou girando. E vieram os dados. Num sistema que se
baseia na competição, nem todos podem vencer. Aliás, nessa corrida, só há um
lugar no topo do pódio. Para todos os outros, resta o gosto amargo da derrota. A
meritocracia e o empreendedorismo não se mostraram assim tão justos: a competição
é desleal e faz com que os empreendedores de sucesso venham em sua maioria dos estratos econômicos mais elevados (sim, existem as exceções, elas estão aí justamente pra manter vivo aquele
sonho). Com a vivência, vamos acumulando casos de pessoas que eram talentosas e
esforçadas, mas que não “venceram na vida” em detrimento de algum herdeiro de
alguma família de ricos há cinco gerações. A experiência nos faz perder a fé na
“justiça” do livre mercado. Nas últimas décadas, a desigualdade só aumentou,
com os ricos ficando cada vez mais ricos e os pobres ficando cada vez mais
pobres, como mostrou – com riqueza de exemplos – Thomas Piketty. Numa sociedade onde cada vez
mais são muito pobres para que cada vez menos sejam muito ricos, não dá pra
falar que o capitalismo está dando certo. Qualquer um que tenha um cérebro (e
honestidade ao usá-lo) pode constatar isso. É cada vez mais impossível ser
racional e ser capitalista.
A esquerda
busca soluções para esses problemas que o capital sequer admite que existem. A
esquerda ainda acredita num mundo com mais igualdade e solidariedade, enquanto
o livre mercado quer nos convencer que a miséria é algo natural, inerente ao
homem, inevitável e que o único caminho é o egoísmo.
Eu entendo um jovem
que acredita na sedução do capitalismo. A promessa de uma vida melhor que só
depende dos seus esforços é realmente encantadora. Eu mesmo já acreditei nela.
Mas depois de conhecer um pouco mais da vida, a gente percebe que isso é uma
ilusão: a gente sempre vai depender uns dos outros. E esse planeta só vai ser
habitável se aprendermos a dividir melhor, a compartilhar. Talvez só não seja
capitalista com vinte anos quem não tem coração, mas pra continuar capitalista
depois de uma certa idade, só não tendo cérebro. E nem coração.