segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Mas...

Muitos me acusaram de ser um censor, de ser contra a liberdade de expressão, quando na verdade não foi bem isso que eu defendi. A verdade é que a liberdade de expressão é um direito maravilhoso, mas não é infinito. A maioria dos países democráticos estabelece limites para coibir discursos que possam ser potencialmente danosos. 
Durante a recente discussão sobre as restrições propostas à publicidade infantil, “descobrimos” que medidas semelhantes existem – por exemplo – na Inglaterra. Sim, o país de David Cameron, um dos primeiros a defender a liberdade de expressão no caso de Paris, proíbe publicitários de criar anúncios que tenham crianças como público-alvo. Eles estão errados? Em minha opinião, não. Na própria França, a revista “Minute” foi multada em 10 mil euros por uma capa racista, em que comparava a ministra Christiane Taubira à um macaco. Os editores tentaram argumentar que se tratava de uma sátira, mas tal justificativa não inocentou o semanário. Uma forma eficiente de se traçar uma linha clara entre o aceitável e inaceitável. 



O comediante francês Dieudonné M´bala M´bala foi condenado a pagar multas por piadas consideradas antissemitas em pelo menos cinco ocasiões desde 2006. No final de 2013, uma parte da comunidade judaica francesa foi às ruas pedir ao poder público que proibisse as apresentações do comediante, e foi atendida! Em 2014, seus espetáculos foram banidos de diversas cidades. Em fevereiro, teve sua entrada na Inglaterra proibida. O ministro do interior Manuel Valls declarou ao Le Monde: “"Dieudonné é profundamente antijudeu. Nos seus espetáculos, não é apenas uma representação, é um comício” (afinal, como disse o grande Laerte Coutinho: "(...) toda piada é ideológica, não existe piada só piada."). Isso é censura? Sim! Está errado? Não, claro que não! O que lamento é que não foi garantido o mesmo direito à comunidade muçulmana da França. 
Aliás, o discurso de ódio de uma minoria de clérigos muçulmanos que vive de pregar a destruição da sociedade ocidental e a submissão dos “infiéis” às leis islâmicas também deve ser encarada como um abuso dentro da Liberdade de Expressão. É um discurso raivoso, feito sob encomenda para seduzir jovens marginalizados que encontram na religião uma possibilidade de se tornarem protagonistas de suas próprias vidas. Esses discursos deveriam ser combatidos, com a mesma firmeza que devem ser combatidas as ofensas aos milhões de muçulmanos pacíficos em todo o mundo. 
Toda essa discussão sobre os limites da liberdade de expressão, ou sobre a falta deles, me parece ser fruto de uma sociedade patologicamente individualista. “Eu tenho direito de falar o que eu quiser, doa a quem doer” é como reivindicar o direito de ofender qualquer pessoa, mesmo que inocente. É uma declaração de que meu direito de ofender é maior do que o seu direito de não ser ofendido. É o “eu” sobre o “seu”. 
O termo que vem sendo utilizado para designar a ação de se importar com isso é “autocensura”. Criticam aqueles que deixam de escrever/publicar alguma coisa por se importarem com o que pensarão aqueles que lerem. Esquecem que somente as crianças e os irresponsáveis falam tudo que pensam, assim, na lata. Isso não é sinceridade, mas sim a franqueza grosseira. E tão grave quanto uma censura externa que quer proibir alguém de dizer algo é o patrulhamento daqueles que querem forçar a dizer algo (ou concordar com o que alguém diz). 
Pensem comigo: se a revista trouxesse Mickey Mouse na mesma situação em que colocou o profeta Maomé, provavelmente seria processada pela Disney, e a justiça daria ganho de causa à empresa norte-americana, por direitos de propriedade – sem que ninguém achasse isso estranho ou absurdo. Parafraseando Jorge Furtado, “o que coloca Mickey Mouse acima de Maomé na escala de respeito é o fato de ter um dono”. 
Não aceitam sequer a reflexão. Demonizaram a conjunção adversativa “mas” como se qualquer crítica à postura do semanário francês se tornasse automaticamente uma defesa dos terroristas ou culpar as vítimas. Talvez tenhamos criado aqui um novo dogma, um novo livro sagrado que não pode ser questionado. A diferença é que ele traz desenhos e é publicado toda semana. E é de uma empresa.

6 comentários:

  1. Mais uma vez, um texto sensato e racional. Concordo. Aqui no nordeste - assim como em outros lugares do país - vivemos a epidemia dos programas polícias. Sob o escudo do "jornalismo", "verdade nua e crua" e "liberdade de expressão", divulgam imagens de pessoas assassinadas, de suspeitos que ainda não foram formalmente acusados, até vídeo de estupro já foi ao ar. Eu acredito que deveria haver algum tipo de sanção. Censura? Pode até ser, mas quando não há bom senso, é assim que tem que ser.

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  2. Meu caro autor, a liberdade de expressão é algo inegociável, intocável.
    Ninguém tem o direito de passar a vida sem ser ofendido, não existe:

    "É uma declaração de que meu direito de ofender é maior do que o seu direito de não ser ofendido."

    Se você não gostou do que foi dito, escreva um texto, um outro livro, reclame com o jornal, com a editora, com quem quer que seja, mas é aí o seu direito acaba.

    Até mesmo um racista deveria ter o seu direito de 'bostejar' racismo garantido. Cabe à educação das pessoas julgar o racista, reclamando, marginalizando e não comprando nada que este venda, mas jamais calar as pessoas através da força do Estado super protetor.

    Paz

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    1. Caro Rogerio Reis, "Ninguém tem o direito de passar a vida sem ser ofendido", como o Senhor deve saber, é uma frase de Philip Pullman, aquele que escreveu o livro "The Good Man Jesus and the Scoundrel Christ". Coincidentemente ou não, o livro de Pullman e as charges da Charlie ofendem e denigrem religiões.
      Mas como assim? Temos o direito sim de vivermos sem sermos ofendidos. Prova disto é a existência do direito de resposta, das multas e punições aplicadas a quem ofende ou difama alguém, algumas das quais citadas por vc mesmo aí em cima.
      O problema é que em muitos casos, a multa, a resposta ou qualquer punição não repara o dano causado pela denuncia vazia, pela ofensa irracional ou pelo racismo, como defendido por vc.
      Há uma grande diferença entre debater opiniões contrárias - como a minha e a sua - mantendo-se o respeito, e um jornal, por exemplo, publicar uma matéria sensacionalista acusando alguém injustamente de algum crime. Esta pessoa, mesmo que consiga direito de resposta, provavelmente terá a vida destroçada em nome da liberdade de expressão.
      Com certeza, o meu (nosso) direito de não ser ofendido é imensamente maior que o direito alheio de ofender.

      Paz

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    2. Isso seria até correto se as vozes de todas as pessoas tivessem o mesmo alcance ou se o dano causado pudesse ser integralmente revertido a posteriori. Sabendo que isso não é verdade, essa mesma lógica poderia ser aplicada para a defesa da "liberdade de uso da força", seja física, financeira ou política.

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  3. Outro que criticou o "mas" e encheu o vídeo dele de mas foi o Pirulla.
    https://www.youtube.com/watch?v=4RA5ojhRsO4

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  4. Se o direito de se expressar livremente não for infinito, então não é livre. O que tu argumenta não passa de um oxímoro.

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